Neste artigo queremos discutir, dentre outros pontos, sobre:
papel da poesia na cura
Rafael Campo, médico da da Faculdade de Medicina de Harvard e poeta premiado disse que a poesia sempre teve um papel na cura de pacientes. “Podemos olhar ao longo da história e para muitas culturas diferentes e ver exemplos de curandeiros em um sentido amplo da palavra, usando poesia a fim de ajudar as pessoas a enfrentar doenças”trata de poemas que “façam os pelos da nuca se arrepiarem e atinjam o coração”.
Uma das razões pelas quais a poesia é tão poderosa é porque dá voz às pessoas. Isso nos permite realmente ouvir a voz de outra pessoa e estar presente em sua experiência.
O poder da poesia na cura
Irène Mathieu médica, pediatra da Universidade da Virgínia, escreve poesia desde que era estudante de Medicina.Atualmente, através do Centro de Humanidades e Ética em Saúde da universidade, ela ensina estudantes de Medicina sobre o poder da poesia na cura.
“Eles estão realmente empolgados com isso”, diz ela. “Até os estudantes de Medicina que não têm experiência em poesia compreendem [essa forma literária] imediatamente.”
Irène, que também atua como editora da seção de Humanidades do Jornal de Medicina Interna Geral, que publica poemas, diz ainda que.“As pessoas se encontram muito ocupadas e podemos nos desgastar em nossos empregos.[...] Às vezes, o que as pessoas precisam, antes de mais nada, é de uma injeção de uma experiência sensorial que as leve a lembrar por que estão fazendo isso.”
Para muitos médicos, a poesia é um remédio que eles mesmos necessitam. Eles exploram um desamparo nos limites de seu poder de cura e uma angústia ao testemunhar tanto sofrimento e morte.
A poesia pode ser uma terapia!
fonte:
https://share.america.gov/pt-br/poesia-ajuda-medicos-americanos-a-curar-pacientes/
A construção do “Outro” em As Minas de Salomão de Henry R. Haggard e Das Terras do Império Vátua às Praças da República Boer, de Diocleciano F. das Neves
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Argumento
A
construção do Outro segue parâmetros que, segundo os diferentes estudos
consultados, resumem se na predominação da alteridade nesse processo
construtivo. Os narradores desses diferentes textos, seguem as orientações que
trazem do outro lado do oceano para fazerem jus à realidade encontrada no
destino Africano.
Portanto,
em quanto uns olham a obra Haggardiana como a que segue uma postura
disciplinada que, vai de acordo com as ideologias imperialistas no olhar sobre
o Outro, sobrepondo a sua cultura
sobre a cultura daquele, num derradeiro esforço de aculturar o Africano para,
facilmente explorá-lo. Esses narradores, não só ignoram a cultura
daqueles como usam adjectivos pejorativos para a sua construção, como se, a etnoculturalidade e literatura de viagem tivessem algo em comum.
Os artigos lidos, apesar de analisarem obras de outras esferas civilizacionais e temporais, a sua temática e o alvo de análise textual coadunam com o nosso tema, o que nos criou uma empatia para trazer este material para o nosso trabalho acreditando que será um contributo valioso no nosso estudo.
O Outro na literatura: Considerações
teóricas
Na primeira
fase desta pesquisa, antes de nos debruçarmos sobre as obras de Henry Haggard e
Diocleciano F. das Neves, iniciamos com a exploração de textos teóricos que
servem de apoio para, com segurança lidar com obras desses autores. Embora
tenham outras perspectivas de análise, o outro constitui o elemento que afunila
a nossa abordagem. E, porém, antes de entender a relação existente entre as
duas obras, será necessário perceber, não só como o outro está representado nos
discursos e decursos dos respectivos narradores, tamb6m precisamos entender,
antes de tudo, que estratégias técnico narrativas foram usadas para a
construção do Outro.
Assim, a busca
daquilo que seria o "Outro", em nossa pesquisa periodiza o discurso
literário, sendo um dos grandes meios para exprimir o ideário ocidental,
particularmente na afirmação da sua pretensa superioridade em relação aos
“Outros". Said (1994), citado por Noa.
Por seu turno, Eva Maria
Afonso Moreira Da Cruz Dinis defendeu, no seu estudo intitulado “Dois olhares sobre a alteridade: o Outro em A Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queirós, e Nação Crioula, de José Eduardo Agualusa”
que,
“A cultura do Outro, sendo vista de modo negativo ou mesmo inexistente, não era considerada como tendo qualquer significância a ser mantida viva, pelo que se considerava justificada a posição ideológica que sustentava o colonialismo como legítima demanda cultural e civilizacional dos modos de ser europeus.” DINIS (2009, p. 10)
Mas, como
iremos aprofundar mais adiante, essa constatação teve uma implicatura política,
pois, partindo da premissa que reza que, quanto mais se menospreza uma
entidade, mais facilmente se irá governá-lo, então, associando a isso o
racismo, torna-se natural a aplicação dessa ideologia no espaço d’Outro.
Alegre por
fazer o que acredito, ou acreditar no que faço!
O Conceito de Outro / Alteridade
Neste nível de
pesquisa pretende-se trazer conceitos inerentes a esse elemento que temos vindo
a desenvolver ao longo do estudo.
Por um lado,
Partha Chatterjee, citado por Coelho (2009), a partir do que ele nomeia “regra
da diferença colonial” afirma que:
“ […] Os povos da colónia estavam excluídos das normas universais, em virtude de uma suposta inferioridade moral atribuídas pelos europeus. Inferioridade esta que lhes eram próprias e favorecia a elaboração de normas diferentes para europeus e colonizados.” COELHO (2009, p 95)
Entretanto,
nota-se que, a partir desta observação que, os estranhamentos e desdéns no
olhar sobre o Outro traziam consigo alguns objectivos políticos.
Neste sentido,
observa-se, nesse estudo um contexto africano, sobretudo os líderes desse
espaço que, numa ambição de poder bélico, deixam-se enganar, talvez pela
ingenuidade e inocência, tal como aconteceu com os indígenas do Brasil e,
“Quando eles perceberam a real situação e poder europeu, a conquista já havia
se completado.” Idem (p, 98) Um bom
exemplo para esta situação consta do livro As
Minas de Salomão, quando os viajantes se encontram com os guerrilheiros tribais
e, por conseguinte, levados ao rei Tuala, no entanto a representação que o
narrador faz para convencer o rei, dizendo que veio das estrelas e que tem o
poder de raios, referindo-se a sua arma de fogo, faz desse rei ingénuo para
aquela realidade.
Por outro lado,
Matusse (1998) destaca, na sua dissertação para o grau de mestrado, num dos
capítulos, aspectos ligados com o comparatismo interno e as imagens d'Outro. Tal como em Trigo (1992), é
discutida a questão da alteridade, sobretudo no período de vigência colonial. A
vertente comparatista que o estudo nos trás, diz respeito ao estudo da
representações literárias do outro. O
autor mostra que, tal resulta do distanciamento e que, corresponde a representações do outro a partir do espaço ideológico ou social em que situa o
Eu. Para tanto, olhares de estranhamento são ilustrados através da observação
do corpo feminino por um narrador que destaca a sua nudez e, citando Castro
(2001, p. 115), que mostra esse olhar do colonizador sobre o indígena, recheado de
“ingenuidade” e, sobretudo “inocência”. Este processo de adjectivação, feito no
âmbito brasileiro, cabe muito bem no contexto Africano, visto que foi nas
mesmas condições que povos desses dois continentes foram colonizados.
Bezerra (s/d,
p. 19) sustenta que:
“Toda a experiência de representação era também de tradução e, assim, o corpo indígena apareceu como um texto, que fora visto, observado, lido, traduzido e significado pelo olhar português. Uma tradução marcada pelo desejo de que a representação fosse o real, de que as ideias previamente construídas fossem factos. […]” BEZERRA (s/d p, 19)
Neste ponto,
fica claro que, o conceito de Outro que
temos procurado definir, raras vezes, para não dizer nunca, é definido
desvinculado do Eu que o constroi. Assim, a alteridade acompanha esse processo. E, no entanto, a partir da alteridade
europeia nasce a desigualdade geopolítica entre África e Europa. Contudo, tal
baseou-se no princípio racial e desdobrou-se em outras divisões como “primitivo
e civilizado”, “tradicional e moderno”, “oralidade e escrita”, “superstição e
religião” COELHO (2009, p. 102). Portanto, outros conceitos como nativismo, criolidade e “assimilados”,
estão na concorrência para a definição do Outro.
Deste modo,
notamos que, os estudos feitos até recentemente acerca do assunto, tem por
objectivo colocar em choque a veracidade ou a parcialidade dos relatos em
questão. A especificidade desses relatos nos obriga, então a pensar nas
distinções discursivas que são problematizadas. Entretanto, a descoberta do novo
mundo, vinculada aos relatos de viagem, possui uma relação particular entre si
e, a medida que possibilitam a construção de novas percepções sobre o real
observado, aí constrói-se o outro através da alteridade.
O texto deste
autor foi de grande utilidade pois, foi capaz de reunir em um
único subsídio, a descrição d'Outro
africano. De um modo geral, a partir dessas e outras leituras acima
mencionadas, foi possível organizar boa parte deste estudo identificando o
momento exacto em que Diocleciano F. das Neves descreve as suas visões repletas
de ambiguidades sobre o mundo natural, a sua peregrinação e o que o motivou; e,
ainda o que diferencia o seu relato de outros viajantes. De um modo geral,
essas leituras possibilitaram, mais uma vez trabalhar com conceitos teóricos
inerentes a literatura de viagem e, sobretudo da construção do outro.
Por fim, Eva
Maria Afonso Moreira da Cruz Dinis, problematiza a formação das identidades
sustentando que: “depende do contacto contínuo com o Outro, dos condicionalismos
das experiências, contextos e vivências. Como tal, é fulcral também o papel da alteridade para a formação destas
identidades” Da Cruz Dinis (2009, P.6)
Contudo, A
autora Apoia-se de Homi K Bhabha para acrescenta que, a diferença é também um
processo que resulta de um exercício de alteridade. Só existe quem é chamado a
estar com Outros ou, quem está entre outro e, não existe o Outro sem que
primeiro exista o Eu, ou, dito de outra forma, a alteridade do Eu só é definida
na presença do Outro, e vice-versa, a conclusão que se pode chegar a partir
deste ponto é que, alteridade surge no contraste entre o Eu e o Outro.
Estratégias da
construção do Outro
Para que a construção do Outro fosse a
passível de identificação, foram feitas análises de diferentes estratégias que
os autores textuais usam para a construção do outro nessas narrativas.
O uso de adjectivação pelos
narradores de ambas obras mostra essa tentativa de se representar ou construir
o outro. Quando o narrador d'As Minas de
Salomão diz que a velha curandeira é uma "Criatura hedionda":
adjectivo depreciativo e sujeito com traço menos humano; ou, quando usa o termo
“Cafre” para caracterizar o homem que os ajuda no meio do deserto, transmite ao
leitor imagens que, de acordo com o seu imaginário, pode remeter a uma
construção pouco edílica. Acresce que esse termo foi atribuído a eles alguns
séculos atrás pelos árabes que já faziam as trocas comerciais com os Africanos
e, tendo encontrado os brancos instalados no local, chamaram-nos cafre, termo que
pode traduzir-se por “descrentes”. Visto que eles eram cristão e aqueles,
islâmicos e, para esses, aquele que não fosse islâmico era descrente ou cafre.
Portanto os brancos usaram e continuam a usar para chamar os negros africanos.
Com efeito, a deslocação
que permite o contacto entre eles, os diferentes propósitos de viagem,
individuais e colectivos que, resultam nessa reacção perante o desconhecido
são, elementos indispensáveis na produção de inúmeras narrativas, umas mais
ficcionais, outras mais factuais.
De maneira geral, As Minas de Salomão apresenta-nos
uma estrutura ficcional, memórias ficcionadas como ilustra o princípio e o fim
da narrativa. A seguir, apresentamos a passagem textual onde o narrador fecha a
história dizendo:
“Hoje é sábado. Há um
paquete para Inglaterra além de amanhã. Creio, na realidade, que vou partir
nele... Já tenho saudades do meu rapaz. E, depois, quero vigiar eu próprio a
publicação destas memórias.” Haggard (sd/: p, 107).
Por outro lado
temos a obra do autor português Das Neves (1987) cuja narrativa constrói o
outro relatando factualmente o que lhe vai na visto e outros sentidos que lhe
permitem interpretar o meio que se encontra. O olhar do viajante está
condicionado antes mesmo da viagem e, as literaturas Africanas trazem dentro
de si, vários pontos soltos que, carecem de preenchimento. E, a questão da
alteridade e outros elementos inerentes no processo da construção do outro,
mostra-nos que esse é um campo fértil para uma prospecção textual.
Trigo (1992, p
74) afirmou que as literaturas africanas de expressão portuguesa vivem de
“Alteridade, enquanto técnica literária e enquanto tema. Outra estratégia que
pode se avançar nesta senda é o uso de Métis.
Ao longo dos
relatos do nosso corpus, constatamos que os narradores chegam a atingir, aquilo
a que os gregos chamam Métis.
Utilizamos o termo "Metis" no sentido que lhe atribui David
Brooks dizendo que, uma pessoa ou narrador com Métis possui um mapa mental da sua realidade particular, possui um
conjunto de metáforas que descrevem uma actividade ou uma situação. Contudo, um
narrador com métis compreende as propriedades gerais e particulares de uma
situação. Assim, o objectivo desses narradores não é apenas descrever a imagem
do outro, mas a natureza dos lugares em que habitam, o seu modus vivendi que, a primeira vista parecem banais, por exemplo a
forma como se saúdam, o ritmo de vida deles, se trabalham em conjunto ou não,
Os guerreiros tribais do rei Tuala são um bom exemplo. O régulo e suas gentes
hierarquicamente divididos, no conto "A povoação de Magude", de
Diocleciano F. Das Neves, mostram que temos um universo de personagem que
habitam um espaço em pequenos ou grandes grupos.
Contudo, o narrador d’As Minas de
Salomão tem essa noção mas ignora-o. Pois tem de manter a superioridade
perante os negros (O Outro), já o mesmo não se nota em Das Neves, onde o
narrador é muito amigo dos negros com quem se relaciona ao longo da sua viagem,
Ngungunhane é dos lendários personagens que este narrador, para além dos povos
da actual Maputo, tem mostrado simpatia no seu discurso.
O Outro na Literatura de viagem
Chegados neste
tópico, não menos importante, serão trazidos estudos que abordaram o nosso
assunto, abordando diversas obras diferentes das que o presente estudo se propõe
analisar. Então, para começar a caminhar em direcção dessa parte da pesquisa,
consultamos o estudo de Carlos Eduardo Bezera que, no contexto brasileiro,
define a literatura de viagem como um lugar/momento/texto fundador da
observação do outro. Entretanto, o autor defende que, os textos de viagem
ajudam a alimentar as possibilidades, tanto imaginárias, como reais, abrindo
por assim dizer, um discurso mais antigo sobre a ficcionalidade e a veracidade
e, ainda nos permite avaliar as mudanças no olhar sobre o mundo natural.
A temática de outro na
literatura de viagem já fez rolar muita tinta e vários estudos foram feitos com
especial atenção nessa entidade. Teóricos como Francisco Noa, analisando a
literatura colonial, abordou essa questão no seu ensaio intitulado:
"Literatura colonial em Moçambique: o paradigma submerso". Trata-se
de uma pesquisa que desenterra questões que, segundo o autor, não são
Bem-vindas pelo desconforto que provocam nessa altura em que os discursos, são,
segundo ele, dominados pela terminologia da globalização, cooperação,
solidariedade, parceria, intercâmbio e, sobretudo encontro de culturas. Neste
ensaio, ainda podemos aproveitar outras fontes relevantes que abordam, embora
que parcialmente sobre essa questão do outro.
Por outro lado, Cunha (2002), estudando as formas utópicas explica:
"The civilising mission of empire is thus accomplished, through the rejection of superstition by the natives and by their abiding by the rule of law. The parting words that the new king addresses to the three of them constitute an emblem for a utopian imperialist project, which would be a sort of a non-colonialist imperialist utopia" Cunha (2009, p.15)
Desta forma deixa claro
que, as atrocidades pelos quais passaram os povos representados foram meras programações
políticas do mais alto grau.
Todorov, citado por
Dinis (2009) define, por seu turno, algumas hipóteses em relação ao Outro,
algumas são aplicáveis à análise que nos propomos tomar. Segundo o Autor, o Eu
multifacetado e fragmentado de um mundo multicultural pode descobrir os outros
em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogénea, e radicalmente
diferente de tudo o que não é si mesmo; por outro lado o Outro externo pode ser
concebido “como uma abstracção, como uma conjuntura da configuração psíquica de
todo indivíduo, outro em relação a mim.” É, portanto, no
encontro e no confronto com este Outro exterior que se faz a descoberta da
diferença e se experiencia o fenómeno da alteridade. Dinis (2009, p. 27)
Importa aqui, evocar as considerações do crítico literário Jam Borm, citado
por SCHEMES (2015) que examina o relato de viagem. Na sua concepção, é um
“género literário”. Essa ideia é refutada pela Junqueira (2011:45-46), trata-se
de “um corpus documental consideravelmente diversificado, sendo improvável
encontrar homogeneidade entre essas fontes”, pois cada viagem e cada relato são
únicos. JUNQUEIRA (2011:55) apud
SCHEMES. Pode concluir-se que, a noção de que se trata de discurso histórico e
não de discurso literário, pode ser problemático, assim cabem as duas
designações nesse subgénero. Ademais, estes textos possuem um importante valor
documental - historiográfico, etnográfico e, sobretudo, literário.
Estudando Tanto Delacroix e Flaubert, Romano (2013) constataou que, ambos
“mergulharam na alteridade e, de certa forma, desconstruíram a visão do outro
como exótico” (p. 35)
Quem também participa dessa discussão é o Francisco
António Sagorro da Silva, que na sua dissertação de mestrado, constatou que a
literatura de viagem é “um género literário atreito ao estabelecimento de vasos
comunicantes com inúmeros géneros literários.” Da Silva (2012, p. 10)
Na mesma linha, Zweder von Martels, citado pelo Da Silva
(2012) reconhece as dificuldades no estabelecimento de fronteiras exactas em
relação ao modo de apresentação por este suposto género literário,
classificando-o de ilimitado nas suas formas de expressão. O autor, ainda usa
diferentes obras para mostrar a descrição, aludindo à retirada do Grande
Armée de Napoleão Bonaparte, em 1812, afirma que tal “configura uma atitude
de escárnio para com o Outro, censurável quando se pensa que os autores
da mesma encontravam-se em território africano com o intuito de abrir os
caminhos da civilização.” Da Silva (2012, p75)
As narrativas de viagem estudadas pela Maria de Fátima, mostram que, mais do que a construção do imaginário
pessoal, tratava-se de lidar com um imaginário colectivo. Daí que o Outro não
existe sem o Eu e, logo, o que existe é um eterno Eu.
Por fim, Em “Miguel Torga: a África colonial e a sua percepção do outro”,
somos elucidados que desde as Descobertas de quinhentos, que a questão do Outro
é relevante e, que o encontro e o olhar imediato do povo descobridor em relação
ao indígena estabeleceu-se de forma comparativamente superior e através duma
visão eurocêntrica. Neste artigo ainda podemos ver a concatenação da literatura
colonial da literatura de viagem. A análise centra se, principalmente nas obras A Criação do Mundo, O Sexto Dia
e Diário XII, onde
é explorada a visita de Torga a África, que decorreu entre 17 de Maio e 12 de
Junho de 1973, mostra-se assim, a sua percepção do “Outro” africano.
Este artigo, trás uma abordagem rica
sobre a figura observada, ou seja, do outro, entidade que o nosso estudo
pretende analisar, daí que o artigo é evocado. Os restantes artigos, comentados
acima fazem menção, tanto à literatura de viagem como à construção do outro e,
sempre como alicerce, a alteridade e outras técnicas que cabem nessa.
Análise de
Dados
Neste ponto pretende-se analisar os
dados do nosso corpus tendo em conta a pergunta de partida e o tema deste
ensaio. O objectivo é de cruzar as duas obras, com o apoio de diferentes
teóricos desta modalidade literária para, ou confirmar o que se diz nos
argumentos ou, mesmo refutar. Para tanto, iremos, através de um trabalho
metódico de análise de dados, que estratégias técnico narrativas foram usadas
para a construção do “Outro” e, em primeiro lugar, importa referir que, em
ambas obras, como em diversas outras narrativas de vigem, a construção do outro
é feita, geralmente por um narrador Autodiegético.
As primeiras
imagens que nos vêem a cabeça quando debruçamos sobre a construção do outro,
são os personagens representados na vasta obra que trás essa temática, nesta
fase da pesquisa, pretendemos provar que, para além de personagens, na
construção do Outro há outros
elementos que são dignos de serem analisados. Atente à passagem a seguir:
“O Outro não tem necessariamente de ser um sujeito – pode ser também um contexto ou vivências que são estranhas ao Eu, e que, no confronto com as realidades pessoais, numa perspectiva relativista, põem em choque a própria identidade cultural do Eu, já que esta é passível de ser modificada através do contacto com factores intrínsecos e extrínsecos que coloquem em aberto quaisquer questões culturais, numa relação dialógica.” DINIS (2009, p. 24)
Quando o
narrador de Haggard, no V capítulo, descreve o deserto como silencioso, escuro
e infindável, ilustra que a construção do Outro,
não se limita apenas aos seres
que podem ser vislumbramos na obra, fenómenos naturais típicos da região onde
se encontra o narrador-viajante, também constituem essa construção.
Por tanto,
nesta parte da trajectória, importa mencionar o servo “hotentote” que servia de
auxílio na aventura. O facto curioso sobre esta personagem secundária reside no
facto de ser o único que não se incomoda com o calor intenso que se faz sentir
no deserto. Todavia, ele é o único que morre durante uma vaga de frio que os
assola antes de saírem do deserto. Assim, não obstante a diversos outro
desafios que eles tiveram naquela travessia. Submetidos a diferentes
atrocidades, como as areias movediças entre outras típicas de deserto,
constata-se a construção do Outro
que, desta vez, não tem como enganá-lo para seus intentos, visto que não tem
ali uma consciência para se manipular. Portanto, nem com armas nem concepções
religiosas facilitar-lhes-ia a vida naquelas circunstâncias.
De resto, em As Minas de Salomão estamos perante romance de aventuras, em que o fascínio da África
serve de cenário a uma inesperada expedição. Três ingleses, um nativo africano
e outros serviçais buscam, com o auxílio de um mapa desenhado a sangue três
séculos antes, as famosas minas do monarca bíblico, Salomão. Entretanto, narra-se a trajectória
percorrida durante a peregrinação que os desafios vão sendo travados. A
história é narrada em primeira pessoa pelo narrador e protagonista Allão
Quartelmar e, se apresenta como um relato de suas memórias.
Quartelmar é um
cidadão inglês, caçador de elefantes, erradicado na África do Sul, que recebe a
proposta de encontrar o irmão desaparecido do Barão Curtis. Com extrema
dificuldade atravessam o deserto, chegam aos seios de Sabá. Impossível separar
o autor, o contexto histórico mundial e a visão de mundo do europeu do século
XIX da obra.
O
livro é escrito e se passa dentro de uma conjuntura neocolonialista e
imperialista das nações europeias. O próprio protagonista é um típico
aventureiro europeu do século XIX em busca de aventuras e riquezas na
misteriosa África. Lembrando que o interior da África ainda era um lugar
desconhecido para os europeus desta época.
Além disso,
Quartelmar carrega consigo, em todo o livro, o conceito de “Missão
Civilizatória do Homem branco” ou somente “fardo do homem branco”, ideia segundo
o qual o homem branco europeu seria o detentor da civilização, do progresso e
da cultura e por este motivo estaria destinado a carregar os outros povos
atrasados “meio crianças, meio demônios” – rumo à civilização.
Todavia,
o livro apresenta leitura fluida sendo um típico romance de aventura do século
XIX que tanto fez sucesso entre os europeus desta época, sendo em grande parte
o responsável pelo surgimento de uma visão estereotipada sobre a África.
A representação do espaço constrói um cenário mórbido por
onde circulam personagens que habitam o povoado de Magude. Aqui, como no
célebre romance de Haggard, somos apresentados um espaço onde a beleza
grandiosa da floresta esconde o regime de escravidão e segregação racial ao
qual os africanos da região austral estavam submetidos. Contudo, tal como em
Diocleciano, o mais importante do que extraímos dessas narrativas é a
descoberta das semelhanças e dissemelhanças
Contudo, na literatura de viagem, a escrita é, na concepção de Ferronha,
"o percurso do eu pelo outro, edificado palavra sobre palavra, numa
euforia metafórica que é afinal o caminho em que O Eu e o outro se percorrem,
com essa palavra mágica que serve de estrada." FERRONHA (p. 237) a estrada
pode aqui, ser interpretado como o meio que, como leitores temos de percorrer o
mar de palavras que os livros nos oferecem e, através delas somos introduzidos
num mundo cheio de aventuras, emoções e outras sensações provocadas por esse
encontro de dois povos distintos.
A terra dos Cacuanas, terras temidas, é destino dos viajantes do Haggard.
Ali, a deificação do olhar dos cacuanas perante os brancos que acabavam de
chegar naquelas terras é visível através do espanto causado pelo poder bélico,
acreditando tratar-se de um poder divino, agravado pela demonstração dum tiro
dado a uma vaca e, causando na enorme soldadesca um murmúrio de admiração e
terror, desta feita convencem, assim ao rei Tuala, facilitando assim, a sua
aceitação naquele espaço social.
Se, Por um lado, constatamos que o narrador-viajante de Haggard é esperto e
já sabe o que precisa fazer para se destacar naquele meio de estranhos, pois
sabendo da primitividade desses povos que eram descobertos pela África
aproveita essa vantagem conscientemente, uma vez que ele estava ciente de que
“Era necessário ostentar um soberbo desdém da ameaça." Haggard (s/d, p,
57),
O mesmo cenário foi apresentado pelo Diocleciano através do discurso de uma
personagem local que agradece profundamente por ele ter matado um animal que
devorava as suas sementeiras de milho e, num olhar supersticioso sobre este
facto, ela agradece e admira a magia desta entidade: "Calimambu melungo!
Ah! Melungu, você prestou à gente desta terra um serviço de alta importância,
matando o cavalo-marinho." Das Neves (1987, p. 39). Personagem figurante
semelhante a esta, na obra haggardiana, é a miúda que ia ser sacrificada na
cerimónia e, por ter sido salvo pela comitiva dos brancos, se envolve,
posteriormente com o John.
Umbopa é um personagem relevante e serve de amostra perfeita d'Outro africano representado em As Minas de Salomão. E, neste trama em
particular, revela-se que, afinal ele tinha uma motivação individual para fazer
aquela viagem. Não é por acaso que o narrador reflecte interiormente sobre ele:
"Este homem e a sua grande maneira de falar intrigavam-me singularmente.
Era certo para mim que só dissera a verdade; mas na cor, nos modos, diferia
muito do zulu ordinário; e a sua oferta de vir connosco sem soldada,
extraordinária num africano, enchia-me de desconfiança." Haggard (s/d. p,
20)
No entanto, o narrador conduz o fio do discurso e é por meio do seu olhar,
ora encantado, ora desencantado que, o leitor descobre o universo africano numa
época remota. E, não há sombra para dúvida que este personagem serve de uma
amostra dos povos zulus daquela época. Esses ainda se diferem muito dos zulus e
vátuas construídos pelo Diocleciano F. Das Neves.
Ainda nesta senda, Ilídio
Rocha, citado por Matusse (1998) mostra uma África e um negro visto por
forasteiras como bizarros, sem alma, sem vida própria. Este olhar assemelha se
bastante com esta apresentação dos zulus que, acima tivemos ocasião de
apresentar. Entretanto, outros autores referem-se ao mesmo fenómeno
considerando a existência de certas formas de representação de coisa. Essa
coisificação d'Outro Africano
acontece, geralmente quando esses narradores evitam usar adjectivos pejorativos
tais como os que encontramos na obra de Diocleciano F. Das Neves, onde a
descrição parece edílica e no fim, volta a mostrar um olhar desdenhoso e
depreciativo:
"Quem nunca visitou o
interior de Lourenço Marques dirá talvez que exagero a beleza dos pretos
daquela parte de África. [...] é certo que os pretos que se observam na Europa
e América são geralmente feios; deve-se, porém, que todos estes precedem das
raças mais feias de África.” Das Neves (1987, p. 36)
Ele faz a construção de um povo e sua cultura através de umas observações
individualizadas, mas cheia de generalizações. A conclusão a que se pode chegar
a parir deste ponto é que, tornamo-nos quem somos em conjunção com outros que
estão a tornar se quem são. E, tanto nesta, como na obra de Haggard, a
construção do outro é demonstrada através dos ditames das consciências dos
respectivos narradores que os descreve. Compreendendo ditames como valores
puramente Europeus.
Conclusão
Em jeito de fecho, concluímos que, as
técnicas que foram aplicadas no processo da construção do Outro nas narrativas acima despidas, resumem-se na
alteridade usada pelos narradores dessas obras, no entanto, outras técnicas
como o uso da adjectivação e, sobretudo o uso de Métis, complementam a alteridade que domina o olhar do "Eu Europeu" sobre o "Outro Africano".
Contudo, o estudo não se esgota com o
presente trabalho. Mais perspectivas podem ser desenvolvidas como as seguintes
linhas de leitura: A Ânsia de descoberta na literatura de viagem; A retórica de
abundância, dentre outros assuntos que podem advir a partir daí.
Moçambicano vence 1ª edição do Prémio Literário Eugénio Lisboa
0 comentários Publicada por literatura sem fronteira à(s) 05:35Trata-se do Pedro Pereira Lopes venceu a primeira edição do Prémio Literário
Imprensa Nacional - Casa da Moeda (INCM)/Eugénio Lisboa, que inclui a
publicação da obra e o valor pecuniário de cinco mil euros.
Ainda foi considerado pela "correcção, coerência e coesão linguística” da obra de Pereira Lopes, foi também sublinhada pelo júri, que decidiu ainda atribuir uma menção honrosa a “Bebi do Zambeze”, de António Manna, realçando a “riqueza do imaginário explorado pelo autor”.
O júri foi constituído pelo escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, que presidiu, e ainda por Teresa Manjate, doutorada em literatura oral e tradicional africana, pela Universidade Nova de Lisboa, e por Alexandra Pinho, artista plástica.
O Autor nasceu na Zambézia, em Moçambique, em 1987, é contador de histórias e poeta, e fundou a revista digital de literatura Lidilisha e o “Projecto Ler para Ser”.
Ele é autor de vários livros como "Viagem pelo mundo em um grão de pólen" e "O mundo que iremos gaguejar de cor".
Em 2019, recebeu o Prémio Lusofonia/Município de Trofa e, no ano passado, o Prémio Maria Odete de Jesus, da Universidade Politécnica de Maputo, com a obra infanto-juvenil "O comboio que andava de chinelos"
Fonte: https://txiling.sapo.mz/eventos/novidades-eventos/artigos/mocambicano-pedro-pereira-lopes-venceu-premio-literario-eugenio-lisboa
Etiquetas: Prémios Literários
Durante a leitura do livro Ao Mata-Bicho, achei esse tema no meio
dum dos parágrafos desse livro sobre um jornalista, cronista, pensador e poeta:
“Vamos, pois, dar a conhecer alguns dados biográficos deste homem de cultura socorrendo-nos de textos dispersos, de alguma literatura ensaística sobre a obra poética de Rui de Noronha em que aparecem traços da sua vivência como cidadão e homem ligado às artes…”
(Ao Mata-Bicho)
Neste gêneros literários, os autores
usam métodos directos em que se dirigem ao leitor, onde há uma explanação directa
dos seus pontos de vista, dirigindo-se em seu próprio nome ao leitor ou ao
ouvinte, assim pode se destacar os seguinntes gêneros denominados ensaísticos: ensaio, crônica, discurso, carta, apólogo,
máxima, diálogo, memorias.
Ensaio
pode ser um breve discurso, compacto; um compendio de pensamento; experiência e
observação. Pode recorrer à narração, descrição, exposição, argumentação e,
usar como apresentação a carta, o sermão, o monólogo, o diálogo, a crônica das
reações pessoais do artista. Não possui forma fixa. Forma literária criadora ou
de imaginação, difere da tese, monografia, tratado, artigo, editorial, tópicos
de jornais, os quais tem sentido objectivo, impessoal, informativo.
O texto ensaístico caracteriza-se pela exposição crítica de determinado assunto podendo apresentar linguagem mais literária. No caso de prevalecer a criação e a emoção ao criar o texto, trata-se de um ensaio informal. No ensaio formal, deve-se observar as características do texto acadêmico e científico, como a objetividade e a organização lógica... Portanto, os autores devem problematizar com espírito crítico o tema escolhido.
O texto ensaístico caracteriza-se pela exposição crítica de determinado assunto podendo apresentar linguagem mais literária. No caso de prevalecer a criação e a emoção ao criar o texto, trata-se de um ensaio informal. No ensaio formal, deve-se observar as características do texto acadêmico e científico, como a objetividade e a organização lógica... Portanto, os autores devem problematizar com espírito crítico o tema escolhido.
As palestras, seminários, workshops e outros eventos do gênero podem ser apresentados por via de um ensáio... Iniciado por Montaigne, com os Essais (1956).
Recentemente, a
palavra ensaio perdeu o sentido tradicional, desenvolvendo o sentido oposto ao
original, porque surgiu ensaístas chamado de julgamento que
oferecem conclusões sobre os assuntos, após discussão, análise, avaliação. Nova
interpretação dentro de uma estrutura formal de explanação, discussão e
conclusão e usando linguagem austera. É o que os ingleses chamam formal. São
formais, regulares, metódicos, concludentes, incluem-se os ensaios críticos,
filosóficos, científicos, políticos, históricos.
Fonte: http://zglar.blogspot.com/2014/02/generos-ensaisticos.html
Narrador póstumo em: Machado de Assis e Mia Couto
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INTRODUÇÃO
Pretendemos fazer uma
análise comprativa das obras: Memória
Póstuma de Bras Cubas (MPDBC) de
Machado de Assis (M. De Assis) e A
Varanda do Frangipani (AVDF)de Mia Couto (MC).Será com essas abreviações
que iremos tratar as duas obras ao longo do trabalho. Iremos debruçar sobre os
aspectos ou elos de aproximação ou distanciamento de ponto de vista do narrador
póstumo entre as duas obras.
Narrador póstumo em: Machado de Assis e Mia Couto
Narrador póstumo, termo que adecua ao fenómeno das duas
obras em análise trás nos diferentes universos de diferentes formas.
Compreende-se por narrativa póstuma o relato de uma história contada por uma
voz postmortem (depois da
morte) que, livre da prisão do antigo corpo, pode se concentrar na sua
própria consciência. (BEZERRA 2012) Então narrador póstumo seria uma
consciência cuja ligação com o respectivo corpo humano está desconectada. Em
forma duma análise crítico-interpretativa: O romance de Mia Couto é narrado
pelo carpinteiro Ermelindo Mucanga, que morreu nas vésperas da independência,
quando trabalhava nas obras de restauro da Fortalezade São Nicolau, onde
atualmente (no universo temporal da historia) funciona um asilo para velhos.
Esse personagem é o que os nativos chamamde “xipoco”, um fantasma que vive numa
cova sob a árvore de frangipani, na varanda da fortaleza. querem transformar Mucanga
em herói nacional, mas ele não concorda: “Certo era que eu não tinha apetência
para herói póstumo. A condecoração devia ser evitada, custasse os olhos e a
cara.” (MC, p. 12). Para tanto,seria necessário que ele “remorresse”. Este é o
narrador que se apresenta como não pertecendo ao mundo da narrativa que vai
narrar: “era a primeira vez que ele iria sair da morte. Por estreada vez iria
escutar, sem o filtro da terra, as humanas vozes do asilo” (MC. p.18) é no
depoimento deste narrador que a ideia de narrador não humano nos fica, a ideia
de ser um narrador póstumo pois este se manifesta como não pertecente ao
universo diegético da história por ele narrada: “nunca fui homem de ideias mas
não sou masto de enrolar a língua” essa é a justificativa deste narrador
incomum, justificativa de estar a desempenhar um papel não comum daqueles que
já não pertencem o mundo dos que vivem. Os capítulos do livro em que o póstumo
narrador toma a palavra estão sequêncialmente titulados: “estreia nos
viventes”; “segundo dia nos viventes” e assim vai continuando a numeração
lógica até o fim.
Já o Brás Cubas, narrador de Machado de Assis, narra os
factos que constituiram a sua existencia com destaque para: a infânçia; caso
amoroso com Marcela; a viagem de estudos na Europa; romance adúlterro com
Virgília (mulher do político Lobo Neves); o encontro com Quincas Borba e a
filosofia de humanitismo; a criação de emplásto (remédio que curraria todos
males) e finalmente a morte. Portanto são memórias que este narrador póstumo
narra e a grande abertura em forma de prólogo: “Ao Verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como
saudosas lembranças estas memórias póstumas” narrado por um
“defunto-autor”, direcionado ao leitor em tom sarcástico. O personagem Brás
Cubas, que não tem nenhum tipo de compromisso com os valores do mundo, mostrou
no romance o que verdadeiramente pensa sobre as pessoas, já que não pertencia
mais àquele mundo, não precisava mais delas. Este narrador personagem, Brás
Cubas comenta sobre os seus pensamentos, além de criticar a sociedade do Rio de
Janeiro da época e tudo que há nela: a escravidão, a divisão das classes
sociais, com indiferença, ironia e pessimismo. "Neste romance de Machado
de Assis, autêntica obra-prima pela finura psicológica, pela serena
inteligência das coisas e pela justeza da expressão, ora travessa, irônica,
maliciosa, ora de concisa gravidade, o narrador fictício, Brás Cubas, evoca e
repensa de além-túmulo, sem ilusões nem respeitos terrenos, a vida conclusa
existência oca decelibatário rico." Jacinto do Prado Coelho.
O que aconte no romance de Mia Couto é diferente, uma vez
que não é uma narrativa de memórias que o narrador fantasma nos narra este
apenas se apossa do corpo do policial Izidine Naíta para investigar um crime
que movimenta a narrativa, ou seja, a trama ou intriga do livro.
Em A Varanda do Frangipani, sabemos desde o início
quem é o possuidor e o possuído ou como indica o narrador, hospedeiro e
hospedado. Hermelindo ocupa uma parte da alma de Izidine, ou, dito de outra
forma, Hermelindo toma apodera se do espaço da alma do agente, silencia-a e
fica no comando do corpo, por vezes tem acesso às memória do agente: “vai com ele, vai nele, vai ele. Fala com
quem ele fala. Deseja quem ele deseja. Sonha quem ele sonha” Entretanto,
durante a narrativa, o narrador fantasma rememora somente, a não ser no início do romance
em que cita passagens de seu período vivente. Além disso, a história é
entrecortada por depoimentos dos velhos e das testemunhas, que habitam o asilo
onde ocorreu o crime que Izidine investiga, estes velhos que se transformam em
narradores daquilo que num lapso de tempo relativamente breve lhes sucedeu,
eles vão contando estórias num plano ou foco diferente daquele que o narrador
(encarnado no agente Izidine) vem contando, até porque no depoimento de cada
velho tem um capitulo que antecede outro que torna nos de volta ao universo
presente, universo de asilo, universo que rodeia o agente Izidime.
Em Machado de Assis, estamos perante uma narração
ulterior (o narrador é colocado num universo diegético que os eventos que nos
narra já conhece na totalidade) “Virgília? Mas então era a mesma senhora que
alguns anos depois? A mesma; era justamente a senhora, que em 1869 devia
assistir aos meus últimos dias”. (P 98) por tanto estamos perante um narrador
que apenas repete a sua vida, em forma de lembrança, relato das suas próprias
memórias, nenhum evento presente acontece para além da sepultura onde o corpo
jaz enquanto o espirito se diverte narrando o passado daquele que jaz. Não há
dúvida de que, de ponto de vista do leitor, o fim do Brás Cubas será aquele que
nos é narrada logo no início do livro, apenas lemos a obra para saber do seu
passado e o que sucedera aquele fim fúnebre. Todos os eventos narrados, em
Machado de Assis, estão no passado.
Em contrapartida este mesmo leitor não irá interpretar o
mesmo ao ler AVDF onde, para além de
contar eventos que acontecem no presente por um narrador morto (Ermelindo
Mucanga) que, no canto dum dos personagens, nos narra a história dos viventes,
entre viventes. Há uma segunda morte que o leitor desconhece uma vez que é de
outrem e não do mesmo póstumo-narrador, apesar de se saber através do mesmo
narrador (diferente de Brás Cubas que já no caixão, inicia a sua memórias) que
essa morte aconteceria em seis dias. É no presente que os eventos importantes
acontecem não no passado como em MPDBC.
Estatuto do narrador
O outro elo de distanciamento entre esses dois livros é o
estatuto do narrador, em quanto em AVDF, é homodiegético, o narrador “Xipoco” veicula informações advindas da
sua experiencia diegética tendo vivido a história mas que depois retirou se para
de longe contar sem dela participar, apesar de, em AVDF, haver um vai e vem desse narrador o que pode confundir o
leitor levando o ao mau ponto de que o narrador é o agente Izidine, personagem
pela qual o narrador “Xipoco” encarnou para remorrer, desta maneira, boa parte da história que
fica aqui contada é do agente e não do narrador póstumo, até porque este não
tem memórias do seu passado, salvo aqueles momentos que as vivencias do agente
lhe trazem algumas memórias soltas relacionadas com aquele momento que o agente
estava passando: “Na cova eu não tinha acesso à memoria. Perdera a capacidade
de sonhar. Agora, alojado num vivente…” (Mia Couto, p 120).
Em MPDBC temos
um narrador Autodiegético uma vez
que este depois de morto, o Brás Cubas agora um defunto, decide narrar a
história e reviver (a
ideia de reviver aqui vem para mostrar o oposto de remorrer em AVDF) os pontos mais importantes da sua
vida, por tanto, o narrador Autodiegético geralmente relata as suas própria
experiencias como personagem central da mesma história, o ponto de vista do
narrador passa pela personagem principal, Esse narrador possui particularidades
que irão dominar a narrativa, essa é situação em MPDBC, todos os eventos narrados aconteceram no passado e o mesmo
narrador, ou seja, narrador-personagem póstumo, está presente entre os eventos
narrados, os eventos que ele nos narra giram em torno dele, eventos pelos
quais, para além de fazer parte, também desempenha acções. Brás Cubas, narrador
e personagem principal da sua história, que é constituído de flagelos e
delícias, de glória e miséria, de desejos e frustrações. Serão esses estados
antagônicos que caracterizarão o narrador-personagem ao longo do romance.
Em contra partida em AVDF
temos o narrador que, do canto do corpo do agente Izidine, nos narra eventos
que em volta do agente ocorrem sem desempenhar nenhuma acção palpável no
universo narrativo dos viventes o que o torna Homodiegético: “Izidime tinha um plano: entrevistraia em cada
noite, um dos velhos sobreviventes. De dia procederia a investigação no
terreno. Depois de jantar, se sentaria junto à fogueira e escutaria o
testemunho de cada um. Na manhã seguinte...” (MC p.25) uma vez encarnado no
agente o narrador sabe tudo sobre o agente, já no universo sepulcral, este
narrador pode assumir o estatuto Autodiegético,
uma vez que tem o pangolim ao seu lado: “O que queria lembrar, muito-muito,
eram as mulheres que amei, confessei esse desejo ao pangolim.” (MC 19) Considerando
que o sonho deste morto é que suscita um enorme enredo e não temos no universo
real aquele leque de personagens que habitam o asilo, ou se houverem acções que
desempenharem não são reais então estaríamos perante um narrador Autodiegético
uma vez que este dialoga com o pangolim no além e foi a partir do dialogo entre
o morto e o pangolim que surgiu a intriga entre os vivos no asilo, e a
necessidade de este mesmo morto integrasse entre os vivos para resolver o
enigma e partilhar a intriga.
Narrador narratário
A relação entre o Narrador e narratário é tratada de
difententes maneiras nas duas obras, o narrador do Machado de Assis é
explícito: “Vamos de um salto a 1822, data da nossa independência política, e
do meu primeiro cativeiro pessoal.” (M. de Assis P. 72) o Vamos que está no
plural, mostra que este narrador tem ateção de que no seu percurso narrativa
não está sozinho, tem o narratário acompanhando os seus passos. Este narrador,
as vezes faz nos suger ao leitor que volte aos capítulos anteriores facto que
não temos em AVDF, não que alguns
capítulos não sugiram ao narratário que volte aos capítulos anteriores mas que,
não é pela sugestão do narrador é pelo próprio prazer ou nessecidade de
perceber o ponto narrativo que este estiver, desse leitor que estiver lendo.
Este narrador não sugere como o de Machado de Assis sugere “Não era esta
certamente a Marcela de 1822; mas a beleza de outro tempo…” p. 112 não se cansa
de nos alertar sempre que um capítulo necessita de subsídios doutros capítulos
para perceber o conteúdo geral daquele que estivermos lendo (o longo intevalo
entre as páginas dos dois trechos acima citados mostram o ponto que o
narratário estava e para onde devia voltar), mesmo quando é algo que este disse
noutro mas que quer, por qualquer relação que esses capítulos possam ter,
repetir a mesma coisa que dissera naquele “Ocorre-me uma reflexão imoral, que é
ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo XIV, que
Marcela morria de amores pelo Xavier.” P. 77-78 talvez isso justifique o facto
de alguns capítulos de Machado de Assis (Brás Cubas) serem curtos, apesar do
número elevado dos mesmos. O facto de em alguns capítulos evocarem outros,
fazendo uma comunicação entre os mesmos de modo que, para além de economizar o
tempo e papel, manter a coerência do próprio enredo fixo e objectivo num só
ponto que não pode ter outro fim se não a morte do narrador-personagem (o que o
transforma em Narrador póstumo) portanto
este narrador tem uma comunicação constante com o seu narratário: este
destinatário intratextual do discurso narrativo da história narrada explicitamente “Talvez espante ao
leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta
que a franqueza é a primeira virtude de um defunto.” (P. 93) é como se o
narrador estivesse diante do seu leitor ou que aquele tem certeza absoluta que
a história irá parar nas mãos de qualquer um e imaginasse-lhe o estatuto
social, psicológico do mesmo, como se adivinhasse o humor do leitor. “Já
meditaste alguma vez no destino do nariz, amado leitor?” P. 124. É essa relação
intimista e explícita que o narrador póstumo tem com o narratário (entidade
fictícia, um «ser de papel» com existência puramente textual, dependendo por
outro «ser de papel») e faz com que este, de vez em quando se lembre de que não
está só, o narrador está sempre ali e faz questão de chamá-lo sempre ao longo
do texto.
Na obra de Mia Couto não há menor menção do narratário,
nesta, como em inúmeras obras o narratário é, com frequência, um sujeito não
explicitamente mencionado o que o torna narratário
implícito. “Consultei ao pangolim, meu animal de estimação. Há alguém que
desconheça os poderes deste bicho de escamas, o nosso halakavuma.” (Mia Couto,
p.15) em confronto com o narratário não mencionado ou implicitamente mencionado,
o leitor coloca-se numa posição complicada se não conhecer, neste caso, o
significado do termo Halakavuma. Pode ficar aquém dos conhecimentos atribuídos
ao narratário, salvo se se tratar de um leitor local, um leitor que pertence ao
espaço impírico representado na diegese, onde se desenrola a narrativa.
Já o narrador do Machado pode ser perceptível em qualquer
canto de mundo, qualquer leitor do mundo sente se envolvido com o narrador
Machadiano, é como se este estivesse no papel: “…Porque o maior defeito deste
livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu
amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o
meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param,
resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...” (Machado de
Assis, P. 155) a mesma sessação é sentida no livro de Mia Couto, os velhos de
asilo contavam uma séria de estórias que apesar de serem coerente ao desfecho
das mesmas, só diziam o que agente Izidime não queria saber, o que era a sua
pesquisa, só no fim quando até o leitor, embalado nas histórias fantásticas dos
mesmos velhos, se esquece da intriga e o foco do depoimento (A morte de
director de asilo) transmitindo dessa maneira informações que estão além do
objectivo do agente e o leitor acaba ficando a par dessas informações que os
velhos facultam, levando mais tempo para o ponto culminante da narrativa (achar
o assassino do director de Asilo).
O narrador de Machado de Assis nega ser uma história
romântica a que conta “Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre
as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a
realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe
maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não.” P 98 e desta maneira cabe ao
leitor, aceitar ou negar se, de acordo com o conteúdo que está ao longo da
diegese é ou não característico ao romanesco, mesmo que o próprio Brás Cubas
diga de antemão não tratar se de uma história romanesca e ainda acrescenta “Não
se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os
nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas
lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A realidade
pura é que…” P. 204 mais uma vez caberá ao leitor, uma vez que este é o elo
importante nessa categoria de atribuir sentidos aos textos.
CONCLUSÃO
Concluímos que as obra de Mia Couto e Machado de assis
tem um narrador póstumo nas suas obras que se manifesta de diferentes maneiras em
quanto em M. De Assis o narrador é Autodiegético em MC o narrador varia de Auto
a Homodiegético, o que permitiu que algumas diferenças e semelhanças tornaram a
obra do mesmo autor similar em alguns aspectos mesmo sendo poucas. Apesar de o
narrador ser da mesma origem, póstumo, nas duas obras, tem rumos diferentes uma
vez que um narra eventos do passado e o outro narra eventos do presente cujo
futuro apesar de traçado não termina como os leitores esperavam. A relação
narradodor narratário é explícita na obra de M. De Assis e em MC, implícita.
BIBLIÓGRAFIA
ASSIS, Machade de. Memórias Póstuma de Brás Cubas. 1ª
Edição. Lisboa, Universitária editora, 1997
BEZERRA, Paulo. O
Universo de Bobók. DOSTOIÉVSKI, Fiodor. Bobók. São Paulo, Editora
34, 2012.
COUTO, Mia. A Varanda do Frangipani, 1ª edição.
Maputo: Ndjira, 1996.
REIS, Carlos e LOPES,
A,C,M. Dicionário da Narratologia. 7ª
Edição. Porto, Almedina,2000
TODOROV, Tzvetan. Introdução à
literatura fantástica (Debates, 98). Trad. Maria Clara Correa Castello. São
Paulo: Perspectiva, 1975.
Subscrever:
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