O poder curador da poesia

Neste artigo queremos discutir, dentre outros pontos, sobre:


papel da poesia na cura

Rafael Campo, médico da da Faculdade de Medicina de Harvard e poeta premiado disse que a poesia sempre teve um papel na cura de pacientes. “Podemos olhar ao longo da história e para muitas culturas diferentes e ver exemplos de curandeiros em um sentido amplo da palavra, usando poesia a fim de ajudar as pessoas a enfrentar doenças”

trata de poemas que “façam os pelos da nuca se arrepiarem e atinjam o coração”.

Uma das razões pelas quais a poesia é tão poderosa é porque dá voz às pessoas. Isso nos permite realmente ouvir a voz de outra pessoa e estar presente em sua experiência.

O poder da poesia na cura

Irène Mathieu médica, pediatra da Universidade da Virgínia, escreve poesia desde que era estudante de Medicina.
Atualmente, através do Centro de Humanidades e Ética em Saúde da universidade, ela ensina estudantes de Medicina sobre o poder da poesia na cura.
“Eles estão realmente empolgados com isso”, diz ela. “Até os estudantes de Medicina que não têm experiência em poesia compreendem [essa forma literária] imediatamente.”

Irène, que também atua como editora da seção de Humanidades do Jornal de Medicina Interna Geral, que publica poemas, diz ainda que.“As pessoas se encontram muito ocupadas e podemos nos desgastar em nossos empregos.[...] Às vezes, o que as pessoas precisam, antes de mais nada, é de uma injeção de uma experiência sensorial que as leve a lembrar por que estão fazendo isso.”

Para muitos médicos, a poesia é um remédio que eles mesmos necessitam. Eles exploram um desamparo nos limites de seu poder de cura e uma angústia ao testemunhar tanto sofrimento e morte.

A poesia pode ser uma terapia!

fonte:
https://share.america.gov/pt-br/poesia-ajuda-medicos-americanos-a-curar-pacientes/

Argumento

            A construção do Outro segue parâmetros que, segundo os diferentes estudos consultados, resumem se na predominação da alteridade nesse processo construtivo. Os narradores desses diferentes textos, seguem as orientações que trazem do outro lado do oceano para fazerem jus à realidade encontrada no destino Africano.
            Portanto, em quanto uns olham a obra Haggardiana como a que segue uma postura disciplinada que, vai de acordo com as ideologias imperialistas no olhar sobre o Outro, sobrepondo a sua cultura sobre a cultura daquele, num derradeiro esforço de aculturar o Africano para, facilmente explorá-lo. Esses narradores, não só ignoram a cultura daqueles como usam adjectivos pejorativos para a sua construção, como se, a etnoculturalidade e literatura de viagem tivessem algo em comum.

Os artigos lidos, apesar de analisarem obras de outras esferas civilizacionais e temporais, a sua temática e o alvo de análise textual coadunam com o nosso tema, o que nos criou uma empatia para trazer este material para o nosso trabalho acreditando que será um contributo valioso no nosso estudo.


O Outro na literatura: Considerações teóricas
Na primeira fase desta pesquisa, antes de nos debruçarmos sobre as obras de Henry Haggard e Diocleciano F. das Neves, iniciamos com a exploração de textos teóricos que servem de apoio para, com segurança lidar com obras desses autores. Embora tenham outras perspectivas de análise, o outro constitui o elemento que afunila a nossa abordagem. E, porém, antes de entender a relação existente entre as duas obras, será necessário perceber, não só como o outro está representado nos discursos e decursos dos respectivos narradores, tamb6m precisamos entender, antes de tudo, que estratégias técnico narrativas foram usadas para a construção do Outro.
Assim, a busca daquilo que seria o "Outro", em nossa pesquisa periodiza o discurso literário, sendo um dos grandes meios para exprimir o ideário ocidental, particularmente na afirmação da sua pretensa superioridade em relação aos “Outros". Said (1994), citado por Noa.
Por seu turno, Eva Maria Afonso Moreira Da Cruz Dinis defendeu, no seu estudo intitulado Dois olhares sobre a alteridade: o Outro em A Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queirós, e Nação Crioula, de José Eduardo Agualusa” que,

“A cultura do Outro, sendo vista de modo negativo ou mesmo inexistente, não era considerada como tendo qualquer significância a ser mantida viva, pelo que se considerava justificada a posição ideológica que sustentava o colonialismo como legítima demanda cultural e civilizacional dos modos de ser europeus.” DINIS (2009, p. 10)

Mas, como iremos aprofundar mais adiante, essa constatação teve uma implicatura política, pois, partindo da premissa que reza que, quanto mais se menospreza uma entidade, mais facilmente se irá governá-lo, então, associando a isso o racismo, torna-se natural a aplicação dessa ideologia no espaço d’Outro.
Alegre por fazer o que acredito, ou acreditar no que faço!
O Conceito de Outro / Alteridade
Neste nível de pesquisa pretende-se trazer conceitos inerentes a esse elemento que temos vindo a desenvolver ao longo do estudo. 
Por um lado, Partha Chatterjee, citado por Coelho (2009), a partir do que ele nomeia “regra da diferença colonial” afirma que:

“ […] Os povos da colónia estavam excluídos das normas universais, em virtude de uma suposta inferioridade moral atribuídas pelos europeus. Inferioridade esta que lhes eram próprias e favorecia a elaboração de normas diferentes para europeus e colonizados.” COELHO (2009, p 95)

Entretanto, nota-se que, a partir desta observação que, os estranhamentos e desdéns no olhar sobre o Outro traziam consigo alguns objectivos políticos.
Neste sentido, observa-se, nesse estudo um contexto africano, sobretudo os líderes desse espaço que, numa ambição de poder bélico, deixam-se enganar, talvez pela ingenuidade e inocência, tal como aconteceu com os indígenas do Brasil e, “Quando eles perceberam a real situação e poder europeu, a conquista já havia se completado.” Idem (p, 98) Um bom exemplo para esta situação consta do livro As Minas de Salomão, quando os viajantes se encontram com os guerrilheiros tribais e, por conseguinte, levados ao rei Tuala, no entanto a representação que o narrador faz para convencer o rei, dizendo que veio das estrelas e que tem o poder de raios, referindo-se a sua arma de fogo, faz desse rei ingénuo para aquela realidade.
Por outro lado, Matusse (1998) destaca, na sua dissertação para o grau de mestrado, num dos capítulos, aspectos ligados com o comparatismo interno e as imagens d'Outro. Tal como em Trigo (1992), é discutida a questão da alteridade, sobretudo no período de vigência colonial. A vertente comparatista que o estudo nos trás, diz respeito ao estudo da representações literárias do outro. O autor mostra que, tal resulta do distanciamento e que, corresponde a representações do outro a partir do espaço ideológico ou social em que situa o Eu. Para tanto, olhares de estranhamento são ilustrados através da observação do corpo feminino por um narrador que destaca a sua nudez e, citando Castro (2001, p. 115), que mostra esse olhar do colonizador sobre o indígena, recheado de “ingenuidade” e, sobretudo “inocência”. Este processo de adjectivação, feito no âmbito brasileiro, cabe muito bem no contexto Africano, visto que foi nas mesmas condições que povos desses dois continentes foram colonizados.
Bezerra (s/d, p. 19) sustenta que:

“Toda a experiência de representação era também de tradução e, assim, o corpo indígena apareceu como um texto, que fora visto, observado, lido, traduzido e significado pelo olhar português. Uma tradução marcada pelo desejo de que a representação fosse o real, de que as ideias previamente construídas fossem factos. […]” BEZERRA (s/d p, 19)

Neste ponto, fica claro que, o conceito de Outro que temos procurado definir, raras vezes, para não dizer nunca, é definido desvinculado do Eu que o constroi. Assim, a alteridade acompanha esse processo. E, no entanto, a partir da alteridade europeia nasce a desigualdade geopolítica entre África e Europa. Contudo, tal baseou-se no princípio racial e desdobrou-se em outras divisões como “primitivo e civilizado”, “tradicional e moderno”, “oralidade e escrita”, “superstição e religião” COELHO (2009, p. 102). Portanto, outros conceitos como nativismo, criolidade e “assimilados”, estão na concorrência para a definição do Outro.
Deste modo, notamos que, os estudos feitos até recentemente acerca do assunto, tem por objectivo colocar em choque a veracidade ou a parcialidade dos relatos em questão. A especificidade desses relatos nos obriga, então a pensar nas distinções discursivas que são problematizadas. Entretanto, a descoberta do novo mundo, vinculada aos relatos de viagem, possui uma relação particular entre si e, a medida que possibilitam a construção de novas percepções sobre o real observado, aí constrói-se o outro através da alteridade.
O texto deste autor foi de grande utilidade pois, foi capaz de reunir em um único subsídio, a descrição d'Outro africano. De um modo geral, a partir dessas e outras leituras acima mencionadas, foi possível organizar boa parte deste estudo identificando o momento exacto em que Diocleciano F. das Neves descreve as suas visões repletas de ambiguidades sobre o mundo natural, a sua peregrinação e o que o motivou; e, ainda o que diferencia o seu relato de outros viajantes. De um modo geral, essas leituras possibilitaram, mais uma vez trabalhar com conceitos teóricos inerentes a literatura de viagem e, sobretudo da construção do outro.
Por fim, Eva Maria Afonso Moreira da Cruz Dinis, problematiza a formação das identidades sustentando que: “depende do contacto contínuo com o Outro, dos condicionalismos das experiências, contextos e vivências. Como tal, é fulcral também o papel da alteridade para a formação destas identidades” Da Cruz Dinis (2009, P.6)
Contudo, A autora Apoia-se de Homi K Bhabha para acrescenta que, a diferença é também um processo que resulta de um exercício de alteridade. Só existe quem é chamado a estar com Outros ou, quem está entre outro e, não existe o Outro sem que primeiro exista o Eu, ou, dito de outra forma, a alteridade do Eu só é definida na presença do Outro, e vice-versa, a conclusão que se pode chegar a partir deste ponto é que, alteridade surge no contraste entre o Eu e o Outro.
Estratégias da construção do Outro
Para que a construção do Outro fosse a passível de identificação, foram feitas análises de diferentes estratégias que os autores textuais usam para a construção do outro nessas narrativas.
O uso de adjectivação pelos narradores de ambas obras mostra essa tentativa de se representar ou construir o outro. Quando o narrador d'As Minas de Salomão diz que a velha curandeira é uma "Criatura hedionda": adjectivo depreciativo e sujeito com traço menos humano; ou, quando usa o termo “Cafre” para caracterizar o homem que os ajuda no meio do deserto, transmite ao leitor imagens que, de acordo com o seu imaginário, pode remeter a uma construção pouco edílica. Acresce que esse termo foi atribuído a eles alguns séculos atrás pelos árabes que já faziam as trocas comerciais com os Africanos e, tendo encontrado os brancos instalados no local, chamaram-nos cafre, termo que pode traduzir-se por “descrentes”. Visto que eles eram cristão e aqueles, islâmicos e, para esses, aquele que não fosse islâmico era descrente ou cafre. Portanto os brancos usaram e continuam a usar para chamar os negros africanos.
Com efeito, a deslocação que permite o contacto entre eles, os diferentes propósitos de viagem, individuais e colectivos que, resultam nessa reacção perante o desconhecido são, elementos indispensáveis na produção de inúmeras narrativas, umas mais ficcionais, outras mais factuais.
De maneira geral, As Minas de Salomão apresenta-nos uma estrutura ficcional, memórias ficcionadas como ilustra o princípio e o fim da narrativa. A seguir, apresentamos a passagem textual onde o narrador fecha a história dizendo:
Hoje é sábado. Há um paquete para Inglaterra além de amanhã. Creio, na realidade, que vou partir nele... Já tenho saudades do meu rapaz. E, depois, quero vigiar eu próprio a publicação destas memórias.” Haggard (sd/: p, 107).
Por outro lado temos a obra do autor português Das Neves (1987) cuja narrativa constrói o outro relatando factualmente o que lhe vai na visto e outros sentidos que lhe permitem interpretar o meio que se encontra. O olhar do viajante está condicionado antes mesmo da viagem e, as literaturas Africanas trazem dentro de si, vários pontos soltos que, carecem de preenchimento. E, a questão da alteridade e outros elementos inerentes no processo da construção do outro, mostra-nos que esse é um campo fértil para uma prospecção textual.
Trigo (1992, p 74) afirmou que as literaturas africanas de expressão portuguesa vivem de “Alteridade, enquanto técnica literária e enquanto tema. Outra estratégia que pode se avançar nesta senda é o uso de Métis.
Ao longo dos relatos do nosso corpus, constatamos que os narradores chegam a atingir, aquilo a que os gregos chamam Métis.
Utilizamos o termo "Metis" no sentido que lhe atribui David Brooks dizendo que, uma pessoa ou narrador com Métis possui um mapa mental da sua realidade particular, possui um conjunto de metáforas que descrevem uma actividade ou uma situação. Contudo, um narrador com métis compreende as propriedades gerais e particulares de uma situação. Assim, o objectivo desses narradores não é apenas descrever a imagem do outro, mas a natureza dos lugares em que habitam, o seu modus vivendi que, a primeira vista parecem banais, por exemplo a forma como se saúdam, o ritmo de vida deles, se trabalham em conjunto ou não, Os guerreiros tribais do rei Tuala são um bom exemplo. O régulo e suas gentes hierarquicamente divididos, no conto "A povoação de Magude", de Diocleciano F. Das Neves, mostram que temos um universo de personagem que habitam um espaço em pequenos ou grandes grupos.
Contudo, o narrador d’As Minas de Salomão tem essa noção mas ignora-o. Pois tem de manter a superioridade perante os negros (O Outro), já o mesmo não se nota em Das Neves, onde o narrador é muito amigo dos negros com quem se relaciona ao longo da sua viagem, Ngungunhane é dos lendários personagens que este narrador, para além dos povos da actual Maputo, tem mostrado simpatia no seu discurso.

 O Outro na Literatura de viagem

Chegados neste tópico, não menos importante, serão trazidos estudos que abordaram o nosso assunto, abordando diversas obras diferentes das que o presente estudo se propõe analisar. Então, para começar a caminhar em direcção dessa parte da pesquisa, consultamos o estudo de Carlos Eduardo Bezera que, no contexto brasileiro, define a literatura de viagem como um lugar/momento/texto fundador da observação do outro. Entretanto, o autor defende que, os textos de viagem ajudam a alimentar as possibilidades, tanto imaginárias, como reais, abrindo por assim dizer, um discurso mais antigo sobre a ficcionalidade e a veracidade e, ainda nos permite avaliar as mudanças no olhar sobre o mundo natural.
A temática de outro na literatura de viagem já fez rolar muita tinta e vários estudos foram feitos com especial atenção nessa entidade. Teóricos como Francisco Noa, analisando a literatura colonial, abordou essa questão no seu ensaio intitulado: "Literatura colonial em Moçambique: o paradigma submerso". Trata-se de uma pesquisa que desenterra questões que, segundo o autor, não são Bem-vindas pelo desconforto que provocam nessa altura em que os discursos, são, segundo ele, dominados pela terminologia da globalização, cooperação, solidariedade, parceria, intercâmbio e, sobretudo encontro de culturas. Neste ensaio, ainda podemos aproveitar outras fontes relevantes que abordam, embora que parcialmente sobre essa questão do outro.
Por outro lado, Cunha (2002), estudando as formas utópicas explica:      

"The civilising mission of empire is thus accomplished, through the rejection of superstition by the natives and by their abiding by the rule of law. The parting words that the new king addresses to the three of them constitute an emblem for a utopian imperialist project, which would be a sort of a non-colonialist imperialist utopia" Cunha (2009, p.15)

Desta forma deixa claro que, as atrocidades pelos quais passaram os povos representados foram meras programações políticas do mais alto grau.
Todorov, citado por Dinis (2009) define, por seu turno, algumas hipóteses em relação ao Outro, algumas são aplicáveis à análise que nos propomos tomar. Segundo o Autor, o Eu multifacetado e fragmentado de um mundo multicultural pode descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogénea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; por outro lado o Outro externo pode ser concebido “como uma abstracção, como uma conjuntura da configuração psíquica de todo indivíduo, outro em relação a mim.” É, portanto, no encontro e no confronto com este Outro exterior que se faz a descoberta da diferença e se experiencia o fenómeno da alteridade. Dinis (2009, p. 27)
Importa aqui, evocar as considerações do crítico literário Jam Borm, citado por SCHEMES (2015) que examina o relato de viagem. Na sua concepção, é um “género literário”. Essa ideia é refutada pela Junqueira (2011:45-46), trata-se de “um corpus documental consideravelmente diversificado, sendo improvável encontrar homogeneidade entre essas fontes”, pois cada viagem e cada relato são únicos. JUNQUEIRA (2011:55) apud SCHEMES. Pode concluir-se que, a noção de que se trata de discurso histórico e não de discurso literário, pode ser problemático, assim cabem as duas designações nesse subgénero. Ademais, estes textos possuem um importante valor documental - historiográfico, etnográfico e, sobretudo, literário.
Estudando Tanto Delacroix e Flaubert, Romano (2013) constataou que, ambos “mergulharam na alteridade e, de certa forma, desconstruíram a visão do outro como exótico” (p. 35)
Quem também participa dessa discussão é o Francisco António Sagorro da Silva, que na sua dissertação de mestrado, constatou que a literatura de viagem é “um género literário atreito ao estabelecimento de vasos comunicantes com inúmeros géneros literários.” Da Silva (2012, p. 10)
Na mesma linha, Zweder von Martels, citado pelo Da Silva (2012) reconhece as dificuldades no estabelecimento de fronteiras exactas em relação ao modo de apresentação por este suposto género literário, classificando-o de ilimitado nas suas formas de expressão. O autor, ainda usa diferentes obras para mostrar a descrição, aludindo à retirada do Grande Armée de Napoleão Bonaparte, em 1812, afirma que tal “configura uma atitude de escárnio para com o Outro, censurável quando se pensa que os autores da mesma encontravam-se em território africano com o intuito de abrir os caminhos da civilização.” Da Silva (2012, p75)
As narrativas de viagem estudadas pela Maria de Fátima, mostram que, mais do que a construção do imaginário pessoal, tratava-se de lidar com um imaginário colectivo. Daí que o Outro não existe sem o Eu e, logo, o que existe é um eterno Eu.
Por fim, Em “Miguel Torga: a África colonial e a sua percepção do outro”, somos elucidados que desde as Descobertas de quinhentos, que a questão do Outro é relevante e, que o encontro e o olhar imediato do povo descobridor em relação ao indígena estabeleceu-se de forma comparativamente superior e através duma visão eurocêntrica. Neste artigo ainda podemos ver a concatenação da literatura colonial da literatura de viagem. A análise centra se, principalmente nas obras A Criação do Mundo, O Sexto Dia e Diário XII, onde é explorada a visita de Torga a África, que decorreu entre 17 de Maio e 12 de Junho de 1973, mostra-se assim, a sua percepção do “Outro” africano.
            Este artigo, trás uma abordagem rica sobre a figura observada, ou seja, do outro, entidade que o nosso estudo pretende analisar, daí que o artigo é evocado. Os restantes artigos, comentados acima fazem menção, tanto à literatura de viagem como à construção do outro e, sempre como alicerce, a alteridade e outras técnicas que cabem nessa.

Análise de Dados
Neste ponto pretende-se analisar os dados do nosso corpus tendo em conta a pergunta de partida e o tema deste ensaio. O objectivo é de cruzar as duas obras, com o apoio de diferentes teóricos desta modalidade literária para, ou confirmar o que se diz nos argumentos ou, mesmo refutar. Para tanto, iremos, através de um trabalho metódico de análise de dados, que estratégias técnico narrativas foram usadas para a construção do “Outro” e, em primeiro lugar, importa referir que, em ambas obras, como em diversas outras narrativas de vigem, a construção do outro é feita, geralmente por um narrador Autodiegético.
As primeiras imagens que nos vêem a cabeça quando debruçamos sobre a construção do outro, são os personagens representados na vasta obra que trás essa temática, nesta fase da pesquisa, pretendemos provar que, para além de personagens, na construção do Outro há outros elementos que são dignos de serem analisados. Atente à passagem a seguir:

“O Outro não tem necessariamente de ser um sujeito – pode ser também um contexto ou vivências que são estranhas ao Eu, e que, no confronto com as realidades pessoais, numa perspectiva relativista, põem em choque a própria identidade cultural do Eu, já que esta é passível de ser modificada através do contacto com factores intrínsecos e extrínsecos que coloquem em aberto quaisquer questões culturais, numa relação dialógica.” DINIS (2009, p. 24)

Quando o narrador de Haggard, no V capítulo, descreve o deserto como silencioso, escuro e infindável, ilustra que a construção do Outro, não se limita apenas aos seres que podem ser vislumbramos na obra, fenómenos naturais típicos da região onde se encontra o narrador-viajante, também constituem essa construção.
Por tanto, nesta parte da trajectória, importa mencionar o servo “hotentote” que servia de auxílio na aventura. O facto curioso sobre esta personagem secundária reside no facto de ser o único que não se incomoda com o calor intenso que se faz sentir no deserto. Todavia, ele é o único que morre durante uma vaga de frio que os assola antes de saírem do deserto. Assim, não obstante a diversos outro desafios que eles tiveram naquela travessia. Submetidos a diferentes atrocidades, como as areias movediças entre outras típicas de deserto, constata-se a construção do Outro que, desta vez, não tem como enganá-lo para seus intentos, visto que não tem ali uma consciência para se manipular. Portanto, nem com armas nem concepções religiosas facilitar-lhes-ia a vida naquelas circunstâncias.
De resto, em As Minas de Salomão estamos perante romance de aventuras, em que o fascínio da África serve de cenário a uma inesperada expedição. Três ingleses, um nativo africano e outros serviçais buscam, com o auxílio de um mapa desenhado a sangue três séculos antes, as famosas minas do monarca bíblico, Salomão. Entretanto, narra-se a trajectória percorrida durante a peregrinação que os desafios vão sendo travados. A história é narrada em primeira pessoa pelo narrador e protagonista Allão Quartelmar e, se apresenta como um relato de suas memórias.
Quartelmar é um cidadão inglês, caçador de elefantes, erradicado na África do Sul, que recebe a proposta de encontrar o irmão desaparecido do Barão Curtis. Com extrema dificuldade atravessam o deserto, chegam aos seios de Sabá. Impossível separar o autor, o contexto histórico mundial e a visão de mundo do europeu do século XIX da obra.
            O livro é escrito e se passa dentro de uma conjuntura neocolonialista e imperialista das nações europeias. O próprio protagonista é um típico aventureiro europeu do século XIX em busca de aventuras e riquezas na misteriosa África. Lembrando que o interior da África ainda era um lugar desconhecido para os europeus desta época.
Além disso, Quartelmar carrega consigo, em todo o livro, o conceito de “Missão Civilizatória do Homem branco” ou somente “fardo do homem branco”, ideia segundo o qual o homem branco europeu seria o detentor da civilização, do progresso e da cultura e por este motivo estaria destinado a carregar os outros povos atrasados “meio crianças, meio demônios” – rumo à civilização.
            Todavia, o livro apresenta leitura fluida sendo um típico romance de aventura do século XIX que tanto fez sucesso entre os europeus desta época, sendo em grande parte o responsável pelo surgimento de uma visão estereotipada sobre a África.
            A representação do espaço constrói um cenário mórbido por onde circulam personagens que habitam o povoado de Magude. Aqui, como no célebre romance de Haggard, somos apresentados um espaço onde a beleza grandiosa da floresta esconde o regime de escravidão e segregação racial ao qual os africanos da região austral estavam submetidos. Contudo, tal como em Diocleciano, o mais importante do que extraímos dessas narrativas é a descoberta das semelhanças e dissemelhanças
Contudo, na literatura de viagem, a escrita é, na concepção de Ferronha, "o percurso do eu pelo outro, edificado palavra sobre palavra, numa euforia metafórica que é afinal o caminho em que O Eu e o outro se percorrem, com essa palavra mágica que serve de estrada." FERRONHA (p. 237) a estrada pode aqui, ser interpretado como o meio que, como leitores temos de percorrer o mar de palavras que os livros nos oferecem e, através delas somos introduzidos num mundo cheio de aventuras, emoções e outras sensações provocadas por esse encontro de dois povos distintos.
A terra dos Cacuanas, terras temidas, é destino dos viajantes do Haggard. Ali, a deificação do olhar dos cacuanas perante os brancos que acabavam de chegar naquelas terras é visível através do espanto causado pelo poder bélico, acreditando tratar-se de um poder divino, agravado pela demonstração dum tiro dado a uma vaca e, causando na enorme soldadesca um murmúrio de admiração e terror, desta feita convencem, assim ao rei Tuala, facilitando assim, a sua aceitação naquele espaço social.
Se, Por um lado, constatamos que o narrador-viajante de Haggard é esperto e já sabe o que precisa fazer para se destacar naquele meio de estranhos, pois sabendo da primitividade desses povos que eram descobertos pela África aproveita essa vantagem conscientemente, uma vez que ele estava ciente de que “Era necessário ostentar um soberbo desdém da ameaça." Haggard (s/d, p, 57),
O mesmo cenário foi apresentado pelo Diocleciano através do discurso de uma personagem local que agradece profundamente por ele ter matado um animal que devorava as suas sementeiras de milho e, num olhar supersticioso sobre este facto, ela agradece e admira a magia desta entidade: "Calimambu melungo! Ah! Melungu, você prestou à gente desta terra um serviço de alta importância, matando o cavalo-marinho." Das Neves (1987, p. 39). Personagem figurante semelhante a esta, na obra haggardiana, é a miúda que ia ser sacrificada na cerimónia e, por ter sido salvo pela comitiva dos brancos, se envolve, posteriormente com o John.
Umbopa é um personagem relevante e serve de amostra perfeita d'Outro africano representado em As Minas de Salomão. E, neste trama em particular, revela-se que, afinal ele tinha uma motivação individual para fazer aquela viagem. Não é por acaso que o narrador reflecte interiormente sobre ele: "Este homem e a sua grande maneira de falar intrigavam-me singularmente. Era certo para mim que só dissera a verdade; mas na cor, nos modos, diferia muito do zulu ordinário; e a sua oferta de vir connosco sem soldada, extraordinária num africano, enchia-me de desconfiança." Haggard (s/d. p, 20)
No entanto, o narrador conduz o fio do discurso e é por meio do seu olhar, ora encantado, ora desencantado que, o leitor descobre o universo africano numa época remota. E, não há sombra para dúvida que este personagem serve de uma amostra dos povos zulus daquela época. Esses ainda se diferem muito dos zulus e vátuas construídos pelo Diocleciano F. Das Neves.
Ainda nesta senda, Ilídio Rocha, citado por Matusse (1998) mostra uma África e um negro visto por forasteiras como bizarros, sem alma, sem vida própria. Este olhar assemelha se bastante com esta apresentação dos zulus que, acima tivemos ocasião de apresentar. Entretanto, outros autores referem-se ao mesmo fenómeno considerando a existência de certas formas de representação de coisa. Essa coisificação d'Outro Africano acontece, geralmente quando esses narradores evitam usar adjectivos pejorativos tais como os que encontramos na obra de Diocleciano F. Das Neves, onde a descrição parece edílica e no fim, volta a mostrar um olhar desdenhoso e depreciativo:
"Quem nunca visitou o interior de Lourenço Marques dirá talvez que exagero a beleza dos pretos daquela parte de África. [...] é certo que os pretos que se observam na Europa e América são geralmente feios; deve-se, porém, que todos estes precedem das raças mais feias de África.” Das Neves (1987, p. 36)
Ele faz a construção de um povo e sua cultura através de umas observações individualizadas, mas cheia de generalizações. A conclusão a que se pode chegar a parir deste ponto é que, tornamo-nos quem somos em conjunção com outros que estão a tornar se quem são. E, tanto nesta, como na obra de Haggard, a construção do outro é demonstrada através dos ditames das consciências dos respectivos narradores que os descreve. Compreendendo ditames como valores puramente Europeus.

Conclusão

Em jeito de fecho, concluímos que, as técnicas que foram aplicadas no processo da construção do Outro nas narrativas acima despidas, resumem-se na alteridade usada pelos narradores dessas obras, no entanto, outras técnicas como o uso da adjectivação e, sobretudo o uso de Métis, complementam a alteridade que domina o olhar do "Eu Europeu" sobre o "Outro Africano".
Contudo, o estudo não se esgota com o presente trabalho. Mais perspectivas podem ser desenvolvidas como as seguintes linhas de leitura: A Ânsia de descoberta na literatura de viagem; A retórica de abundância, dentre outros assuntos que podem advir a partir daí.

Trata-se do Pedro Pereira Lopes venceu a primeira edição do Prémio Literário Imprensa Nacional - Casa da Moeda (INCM)/Eugénio Lisboa, que inclui a publicação da obra e o valor pecuniário de cinco mil euros.

A obra inédita distinguida, intitula-se “Gente Grave” e, segundo o júri, deve-se “ao facto de o autor explorar um género pouco trabalhado em Moçambique e de combinar o policial e o fantástico”.

 Ainda foi considerado pela "correcção, coerência e coesão linguística” da obra de Pereira Lopes, foi também sublinhada pelo júri, que decidiu ainda atribuir uma menção honrosa a “Bebi do Zambeze”, de António Manna, realçando a “riqueza do imaginário explorado pelo autor”.

O júri foi constituído pelo escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, que presidiu, e ainda por Teresa Manjate, doutorada em literatura oral e tradicional africana, pela Universidade Nova de Lisboa, e por Alexandra Pinho, artista plástica.


O Autor nasceu na Zambézia, em Moçambique, em 1987, é contador de histórias e poeta, e fundou a revista digital de literatura Lidilisha e o “Projecto Ler para Ser”.
Ele é autor de vários livros como "Viagem pelo mundo em um grão de pólen" e "O mundo que iremos gaguejar de cor".

Em 2019, recebeu o Prémio Lusofonia/Município de Trofa e, no ano passado, o Prémio Maria Odete de Jesus, da Universidade Politécnica de Maputo, com a obra infanto-juvenil "O comboio que andava de chinelos"

Fonte: https://txiling.sapo.mz/eventos/novidades-eventos/artigos/mocambicano-pedro-pereira-lopes-venceu-premio-literario-eugenio-lisboa
 

Literatura Ensaística

Durante a leitura do livro Ao Mata-Bicho, achei esse tema no meio dum dos parágrafos desse livro sobre um jornalista, cronista, pensador e poeta: 


“Vamos, pois, dar a conhecer alguns dados biográficos deste homem de cultura socorrendo-nos de textos dispersos, de alguma literatura ensaística sobre a obra poética de Rui de Noronha em que aparecem traços da sua vivência como cidadão e homem ligado às artes…
 (Ao Mata-Bicho)


          Neste gêneros literários, os autores usam métodos directos em que se dirigem ao leitor, onde há uma explanação directa dos seus pontos de vista, dirigindo-se em seu próprio nome ao leitor ou ao ouvinte, assim pode se destacar os seguinntes gêneros denominados ensaísticos:  ensaio, crônica, discurso, carta, apólogo, máxima, diálogo, memorias.

     Ensaio pode ser um breve discurso, compacto; um compendio de pensamento; experiência e observação. Pode recorrer à narração, descrição, exposição, argumentação e, usar como apresentação a carta, o sermão, o monólogo, o diálogo, a crônica das reações pessoais do artista. Não possui forma fixa. Forma literária criadora ou de imaginação, difere da tese, monografia, tratado, artigo, editorial, tópicos de jornais, os quais tem sentido objectivo, impessoal, informativo.
             O texto ensaístico caracteriza-se pela exposição crítica de determinado assunto podendo apresentar linguagem mais literária. No caso de prevalecer a criação e a emoção ao criar o texto, trata-se de um ensaio informal. No ensaio formal, deve-se observar as características do texto acadêmico e científico, como a objetividade e a organização lógica... Portanto, os autores devem problematizar com espírito crítico o tema escolhido.
 


As palestras, seminários, workshops e outros eventos do gênero podem ser apresentados por via de um ensáio... Iniciado por Montaigne, com os Essais (1956).
Recentemente, a palavra ensaio perdeu o sentido tradicional, desenvolvendo o sentido oposto ao original, porque surgiu ensaístas chamado de julgamento que oferecem conclusões sobre os assuntos, após discussão, análise, avaliação. Nova interpretação dentro de uma estrutura formal de explanação, discussão e conclusão e usando linguagem austera. É o que os ingleses chamam formal. São formais, regulares, metódicos, concludentes, incluem-se os ensaios críticos, filosóficos, científicos, políticos, históricos.

Fonte: http://zglar.blogspot.com/2014/02/generos-ensaisticos.html






Narrador póstumo em: Machado de Assis e Mia Couto


INTRODUÇÃO
            Pretendemos fazer uma análise comprativa das obras: Memória Póstuma de Bras Cubas (MPDBC) de Machado de Assis (M. De Assis) e A Varanda do Frangipani (AVDF)de Mia Couto (MC).Será com essas abreviações que iremos tratar as duas obras ao longo do trabalho. Iremos debruçar sobre os aspectos ou elos de aproximação ou distanciamento de ponto de vista do narrador póstumo entre as duas obras.

Narrador póstumo em: Machado de Assis e Mia Couto

            Narrador póstumo, termo que adecua ao fenómeno das duas obras em análise trás nos diferentes universos de diferentes formas. Compreende-se por narrativa póstuma o relato de uma história contada por uma voz postmortem (depois da morte) que, livre da prisão do antigo corpo, pode se concentrar na sua própria consciência. (BEZERRA 2012) Então narrador póstumo seria uma consciência cuja ligação com o respectivo corpo humano está desconectada. Em forma duma análise crítico-interpretativa: O romance de Mia Couto é narrado pelo carpinteiro Ermelindo Mucanga, que morreu nas vésperas da independência, quando trabalhava nas obras de restauro da Fortalezade São Nicolau, onde atualmente (no universo temporal da historia) funciona um asilo para velhos. Esse personagem é o que os nativos chamamde “xipoco”, um fantasma que vive numa cova sob a árvore de frangipani, na varanda da fortaleza. querem transformar Mucanga em herói nacional, mas ele não concorda: “Certo era que eu não tinha apetência para herói póstumo. A condecoração devia ser evitada, custasse os olhos e a cara.” (MC, p. 12). Para tanto,seria necessário que ele “remorresse”. Este é o narrador que se apresenta como não pertecendo ao mundo da narrativa que vai narrar: “era a primeira vez que ele iria sair da morte. Por estreada vez iria escutar, sem o filtro da terra, as humanas vozes do asilo” (MC. p.18) é no depoimento deste narrador que a ideia de narrador não humano nos fica, a ideia de ser um narrador póstumo pois este se manifesta como não pertecente ao universo diegético da história por ele narrada: “nunca fui homem de ideias mas não sou masto de enrolar a língua” essa é a justificativa deste narrador incomum, justificativa de estar a desempenhar um papel não comum daqueles que já não pertencem o mundo dos que vivem. Os capítulos do livro em que o póstumo narrador toma a palavra estão sequêncialmente titulados: “estreia nos viventes”; “segundo dia nos viventes” e assim vai continuando a numeração lógica até o fim.
Já o Brás Cubas, narrador de Machado de Assis, narra os factos que constituiram a sua existencia com destaque para: a infânçia; caso amoroso com Marcela; a viagem de estudos na Europa; romance adúlterro com Virgília (mulher do político Lobo Neves); o encontro com Quincas Borba e a filosofia de humanitismo; a criação de emplásto (remédio que curraria todos males) e finalmente a morte. Portanto são memórias que este narrador póstumo narra e a grande abertura em forma de prólogo: “Ao Verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosas lembranças estas memórias póstumas” narrado por um “defunto-autor”, direcionado ao leitor em tom sarcástico. O personagem Brás Cubas, que não tem nenhum tipo de compromisso com os valores do mundo, mostrou no romance o que verdadeiramente pensa sobre as pessoas, já que não pertencia mais àquele mundo, não precisava mais delas. Este narrador personagem, Brás Cubas comenta sobre os seus pensamentos, além de criticar a sociedade do Rio de Janeiro da época e tudo que há nela: a escravidão, a divisão das classes sociais, com indiferença, ironia e pessimismo. "Neste romance de Machado de Assis, autêntica obra-prima pela finura psicológica, pela serena inteligência das coisas e pela justeza da expressão, ora travessa, irônica, maliciosa, ora de concisa gravidade, o narrador fictício, Brás Cubas, evoca e repensa de além-túmulo, sem ilusões nem respeitos terrenos, a vida conclusa existência oca decelibatário rico." Jacinto do Prado Coelho.
O que aconte no romance de Mia Couto é diferente, uma vez que não é uma narrativa de memórias que o narrador fantasma nos narra este apenas se apossa do corpo do policial Izidine Naíta para investigar um crime que movimenta a narrativa, ou seja, a trama ou intriga do livro.
Em A Varanda do Frangipani, sabemos desde o início quem é o possuidor e o possuído ou como indica o narrador, hospedeiro e hospedado. Hermelindo ocupa uma parte da alma de Izidine, ou, dito de outra forma, Hermelindo toma apodera se do espaço da alma do agente, silencia-a e fica no comando do corpo, por vezes tem acesso às memória do agente: “vai com ele, vai nele, vai ele. Fala com quem ele fala. Deseja quem ele deseja. Sonha quem ele sonha” Entretanto, durante a narrativa, o narrador fantasma rememora somente, a não ser no início do romance em que cita passagens de seu período vivente. Além disso, a história é entrecortada por depoimentos dos velhos e das testemunhas, que habitam o asilo onde ocorreu o crime que Izidine investiga, estes velhos que se transformam em narradores daquilo que num lapso de tempo relativamente breve lhes sucedeu, eles vão contando estórias num plano ou foco diferente daquele que o narrador (encarnado no agente Izidine) vem contando, até porque no depoimento de cada velho tem um capitulo que antecede outro que torna nos de volta ao universo presente, universo de asilo, universo que rodeia o agente Izidime.
Em Machado de Assis, estamos perante uma narração ulterior (o narrador é colocado num universo diegético que os eventos que nos narra já conhece na totalidade) “Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois? A mesma; era justamente a senhora, que em 1869 devia assistir aos meus últimos dias”. (P 98) por tanto estamos perante um narrador que apenas repete a sua vida, em forma de lembrança, relato das suas próprias memórias, nenhum evento presente acontece para além da sepultura onde o corpo jaz enquanto o espirito se diverte narrando o passado daquele que jaz. Não há dúvida de que, de ponto de vista do leitor, o fim do Brás Cubas será aquele que nos é narrada logo no início do livro, apenas lemos a obra para saber do seu passado e o que sucedera aquele fim fúnebre. Todos os eventos narrados, em Machado de Assis, estão no passado.
Em contrapartida este mesmo leitor não irá interpretar o mesmo ao ler AVDF onde, para além de contar eventos que acontecem no presente por um narrador morto (Ermelindo Mucanga) que, no canto dum dos personagens, nos narra a história dos viventes, entre viventes. Há uma segunda morte que o leitor desconhece uma vez que é de outrem e não do mesmo póstumo-narrador, apesar de se saber através do mesmo narrador (diferente de Brás Cubas que já no caixão, inicia a sua memórias) que essa morte aconteceria em seis dias. É no presente que os eventos importantes acontecem não no passado como em MPDBC.

Estatuto do narrador
O outro elo de distanciamento entre esses dois livros é o estatuto do narrador, em quanto em AVDF, é homodiegético, o narrador “Xipoco” veicula informações advindas da sua experiencia diegética tendo vivido a história mas que depois retirou se para de longe contar sem dela participar, apesar de, em AVDF, haver um vai e vem desse narrador o que pode confundir o leitor levando o ao mau ponto de que o narrador é o agente Izidine, personagem pela qual o narrador “Xipoco” encarnou para remorrer, desta maneira, boa parte da história que fica aqui contada é do agente e não do narrador póstumo, até porque este não tem memórias do seu passado, salvo aqueles momentos que as vivencias do agente lhe trazem algumas memórias soltas relacionadas com aquele momento que o agente estava passando: “Na cova eu não tinha acesso à memoria. Perdera a capacidade de sonhar. Agora, alojado num vivente…” (Mia Couto, p 120).
Em MPDBC temos um narrador Autodiegético uma vez que este depois de morto, o Brás Cubas agora um defunto, decide narrar a história e reviver (a ideia de reviver aqui vem para mostrar o oposto de remorrer em AVDF) os pontos mais importantes da sua vida, por tanto, o narrador Autodiegético geralmente relata as suas própria experiencias como personagem central da mesma história, o ponto de vista do narrador passa pela personagem principal, Esse narrador possui particularidades que irão dominar a narrativa, essa é situação em MPDBC, todos os eventos narrados aconteceram no passado e o mesmo narrador, ou seja, narrador-personagem póstumo, está presente entre os eventos narrados, os eventos que ele nos narra giram em torno dele, eventos pelos quais, para além de fazer parte, também desempenha acções. Brás Cubas, narrador e personagem principal da sua história, que é constituído de flagelos e delícias, de glória e miséria, de desejos e frustrações. Serão esses estados antagônicos que caracterizarão o narrador-personagem ao longo do romance.
Em contra partida em AVDF temos o narrador que, do canto do corpo do agente Izidine, nos narra eventos que em volta do agente ocorrem sem desempenhar nenhuma acção palpável no universo narrativo dos viventes o que o torna Homodiegético: “Izidime tinha um plano: entrevistraia em cada noite, um dos velhos sobreviventes. De dia procederia a investigação no terreno. Depois de jantar, se sentaria junto à fogueira e escutaria o testemunho de cada um. Na manhã seguinte...” (MC p.25) uma vez encarnado no agente o narrador sabe tudo sobre o agente, já no universo sepulcral, este narrador pode assumir o estatuto Autodiegético, uma vez que tem o pangolim ao seu lado: “O que queria lembrar, muito-muito, eram as mulheres que amei, confessei esse desejo ao pangolim.” (MC 19) Considerando que o sonho deste morto é que suscita um enorme enredo e não temos no universo real aquele leque de personagens que habitam o asilo, ou se houverem acções que desempenharem não são reais então estaríamos perante um narrador Autodiegético uma vez que este dialoga com o pangolim no além e foi a partir do dialogo entre o morto e o pangolim que surgiu a intriga entre os vivos no asilo, e a necessidade de este mesmo morto integrasse entre os vivos para resolver o enigma e partilhar a intriga.

Narrador narratário
A relação entre o Narrador e narratário é tratada de difententes maneiras nas duas obras, o narrador do Machado de Assis é explícito: “Vamos de um salto a 1822, data da nossa independência política, e do meu primeiro cativeiro pessoal.” (M. de Assis P. 72) o Vamos que está no plural, mostra que este narrador tem ateção de que no seu percurso narrativa não está sozinho, tem o narratário acompanhando os seus passos. Este narrador, as vezes faz nos suger ao leitor que volte aos capítulos anteriores facto que não temos em AVDF, não que alguns capítulos não sugiram ao narratário que volte aos capítulos anteriores mas que, não é pela sugestão do narrador é pelo próprio prazer ou nessecidade de perceber o ponto narrativo que este estiver, desse leitor que estiver lendo. Este narrador não sugere como o de Machado de Assis sugere “Não era esta certamente a Marcela de 1822; mas a beleza de outro tempo…” p. 112 não se cansa de nos alertar sempre que um capítulo necessita de subsídios doutros capítulos para perceber o conteúdo geral daquele que estivermos lendo (o longo intevalo entre as páginas dos dois trechos acima citados mostram o ponto que o narratário estava e para onde devia voltar), mesmo quando é algo que este disse noutro mas que quer, por qualquer relação que esses capítulos possam ter, repetir a mesma coisa que dissera naquele “Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier.” P. 77-78 talvez isso justifique o facto de alguns capítulos de Machado de Assis (Brás Cubas) serem curtos, apesar do número elevado dos mesmos. O facto de em alguns capítulos evocarem outros, fazendo uma comunicação entre os mesmos de modo que, para além de economizar o tempo e papel, manter a coerência do próprio enredo fixo e objectivo num só ponto que não pode ter outro fim se não a morte do narrador-personagem (o que o transforma em Narrador póstumo) portanto este narrador tem uma comunicação constante com o seu narratário: este destinatário intratextual do discurso narrativo da história narrada explicitamente “Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto.” (P. 93) é como se o narrador estivesse diante do seu leitor ou que aquele tem certeza absoluta que a história irá parar nas mãos de qualquer um e imaginasse-lhe o estatuto social, psicológico do mesmo, como se adivinhasse o humor do leitor. “Já meditaste alguma vez no destino do nariz, amado leitor?” P. 124. É essa relação intimista e explícita que o narrador póstumo tem com o narratário (entidade fictícia, um «ser de papel» com existência puramente textual, dependendo por outro «ser de papel») e faz com que este, de vez em quando se lembre de que não está só, o narrador está sempre ali e faz questão de chamá-lo sempre ao longo do texto.
Na obra de Mia Couto não há menor menção do narratário, nesta, como em inúmeras obras o narratário é, com frequência, um sujeito não explicitamente mencionado o que o torna narratário implícito. “Consultei ao pangolim, meu animal de estimação. Há alguém que desconheça os poderes deste bicho de escamas, o nosso halakavuma.” (Mia Couto, p.15) em confronto com o narratário não mencionado ou implicitamente mencionado, o leitor coloca-se numa posição complicada se não conhecer, neste caso, o significado do termo Halakavuma. Pode ficar aquém dos conhecimentos atribuídos ao narratário, salvo se se tratar de um leitor local, um leitor que pertence ao espaço impírico representado na diegese, onde se desenrola a narrativa.
Já o narrador do Machado pode ser perceptível em qualquer canto de mundo, qualquer leitor do mundo sente se envolvido com o narrador Machadiano, é como se este estivesse no papel: “…Porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...” (Machado de Assis, P. 155) a mesma sessação é sentida no livro de Mia Couto, os velhos de asilo contavam uma séria de estórias que apesar de serem coerente ao desfecho das mesmas, só diziam o que agente Izidime não queria saber, o que era a sua pesquisa, só no fim quando até o leitor, embalado nas histórias fantásticas dos mesmos velhos, se esquece da intriga e o foco do depoimento (A morte de director de asilo) transmitindo dessa maneira informações que estão além do objectivo do agente e o leitor acaba ficando a par dessas informações que os velhos facultam, levando mais tempo para o ponto culminante da narrativa (achar o assassino do director de Asilo).
O narrador de Machado de Assis nega ser uma história romântica a que conta “Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não.” P 98 e desta maneira cabe ao leitor, aceitar ou negar se, de acordo com o conteúdo que está ao longo da diegese é ou não característico ao romanesco, mesmo que o próprio Brás Cubas diga de antemão não tratar se de uma história romanesca e ainda acrescenta “Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A realidade pura é que…” P. 204 mais uma vez caberá ao leitor, uma vez que este é o elo importante nessa categoria de atribuir sentidos aos textos.


CONCLUSÃO
            Concluímos que as obra de Mia Couto e Machado de assis tem um narrador póstumo nas suas obras que se manifesta de diferentes maneiras em quanto em M. De Assis o narrador é Autodiegético em MC o narrador varia de Auto a Homodiegético, o que permitiu que algumas diferenças e semelhanças tornaram a obra do mesmo autor similar em alguns aspectos mesmo sendo poucas. Apesar de o narrador ser da mesma origem, póstumo, nas duas obras, tem rumos diferentes uma vez que um narra eventos do passado e o outro narra eventos do presente cujo futuro apesar de traçado não termina como os leitores esperavam. A relação narradodor narratário é explícita na obra de M. De Assis e em MC, implícita.


BIBLIÓGRAFIA
ASSIS, Machade de. Memórias Póstuma de Brás Cubas. 1ª Edição. Lisboa, Universitária editora, 1997
BEZERRA, Paulo. O Universo de Bobók. DOSTOIÉVSKI, Fiodor. Bobók. São Paulo, Editora
34, 2012.
COUTO, Mia. A Varanda do Frangipani, 1ª edição. Maputo: Ndjira, 1996.
REIS, Carlos e LOPES, A,C,M. Dicionário da Narratologia. 7ª Edição. Porto, Almedina,2000
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica (Debates, 98). Trad. Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 1975.


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